domingo, 18 de julho de 2010

Rascunho

Ele nasceu em 3 de dezembro de 1966.
Separado desde 2001.
Cirurgião plástico não conhecido, porém bem conceituado entre as meninas-mulheres que tem seus bustos aumentados, suas nádegas delineadas quase à perfeição e suas cinturas tornadas bem mais finas e sinuosas pelas suas mãos.

Há 2 meses uma de suas pacientes entrou com uma reclamação formal no fórum de pequenas causas contra um erro médico feito por ele.

Em casa, seu irmão mais velho nascido 2 anos antes, morava com ele desde a separação. O que pensava ser uma visita efêmera já durava mais de 3 anos. O querido rebento de seus pais havia criado raízes em seu lar como um câncer que despreza qualquer tipo de tratamento por mais eficiente que o mesmo seja.
Já não sabia mais o que fazer: O seguro trabalhista ainda não saiu pra você comprar seu apartamento? "Acho que ainda vai demorar mais um pouco. Você bem que podia ter se formado em Direito, como o papai queria, né?"- Respondia o irmão-câncer com uma voz que ele percebia estar temperada com sarcasmo.
À noite, não conseguia dormir. Sentia há umas 3 semanas, dificuldade para respirar e uma dor no peito quando inspirava.
"Deve ser preocupação demais com a audiencia marcada com aquela filha da mãe!"
A ex mulher parecia ter-se juntado a paciente, e agora pedia pensão por um filho que sustentava "sozinha" (ela já estava morando com o outro) e que ele desconfiava que nem sequer aquele menino que tinha cor mais escura que a sua e a da ex mulher somadas, fosse realmente dele. Afinal de contas, o "moreninho" de 5 anos foi o motivo da separação.

No Tribunal de pequenas causas, foi se encontrar pra audiência da paciente:
"Então, a senhora reclama que seus seios ficaram desproporcionais, correto?" - Perguntou o mediador.
" Isso mesmo. O direito tem 250 mls e o esquerdo, 253." - Respondeu a paciente com uma voz mais infantil do que aparentava as rugas visíveis do seu rosto.
" A Senhora pode nos mostrar?" - perguntou novamente o mediador.
A SENHORA PODE NOS MOSTRAR? " Que palhaçada é essa aqui nesse pequeno tribunal ?" - Perguntou o cirurgião-réu, desvirginando a conversa.
Fim da audiência.
Não teve jeito. o Cirurgião teve que pagar multa de R$5.000
referente a devolução do valor pago pela cirurgia e um acréscimo por danos morais e físicos pagos com serviços comunitários.

Decidiu depois de muito custo, uma resolução interna, visitar um xará profissional para diagnosticar a dor que sentia ao inspirar.
Com uma ferramenta específica e característica dos médicos, o xará pediu para o cirurgião retirar a camisa e encostou uma das extremidades da ferrarmenta no peito do cirurgião e a outra extremidade encaixou nos ouvidos como se fosse um fone de mp3 e disse: "Inspire". Depois: "Expire".
"Pois é, precisamos de um raio x".

O cirurgião saiu do consultório abalado com o que estava acontecendo em sua vida nos últimos 7 anos: Brigas conjugais, traição, separação, uma "visita" incômoda do seu irmão mais velho, que tinha pena de expulsar de casa pois estava debilitado, esperando receber uma pequena fortuna da empresa que o deixou daquele jeito; processo de uma paciente "despeitada", ação judicial com pedido de pensão alimentícia e uma dor no peito que uma simples consulta médica ainda não soube diagnosticar a origem do problema.
"Por que isso está acontendo comigo?" - Gritou no banheiro quando já parecia não suportar mais tanta pressão no coração e no peito que já doía fisicamente e agora, emocionalmente. Chorou. Compulsivamente. As lágrimas desciam pelo rosto, passava pelas narinas e por fim, se misturava com a saliva ao encontrar os lábios entre-abertos, emitindo um som cadenciado de profunda dor. Se enconstou na porta do banheiro e deixou cair seu corpo até se sentar no chão, enconstando os cotovelos nos joelhos e levando as mãos á cabeça , fazendo os cabelos preencherem os espaços entre um dedo e outro.

2 dias depois do grito, do desabafo solitário, recebeu a notícia que 30% do seu salário devia agora ser destinado ao filho que desconfiava não ser seu, mas que o amor que tinha por ele o fez não exigir um teste de paternidade. Assentiu calado a determinação do juiz.

Quando chegou em casa, depois de mais um dia sem clientes na sua clínica, seu telefone tocou. Era o xará profissional: " O resultado do raio x saiu" - Ouviu com angustia o cirurgião.

Foi ao consultório. O que viu no raio x quando o médico-xará colocou o exame naqueles quadros com uma luz fluorescente no fundo, foi algo assustador! Nem ele, muito menos o xará haviam visto algo como aquilo...

No caminho de volta pra casa não falou nada, afinal, estava sozinho no carro. Mas mesmo assim tinha costume de falar só. Desta vez, não.

Ao chegar em casa, também não conseguiu suportar o que viu:
O irmão sentado na sua poltrona, dormindo, de boca aberta, com uma lata de refrigerante caída em cima do tapete, molhando o presente recebido de um cliente seu. A televisão, comprada sem ajuda financeira, estava ligada e a sua luz batia no rosto do irmão folgado, que dormia.
O cirurgião, ao ver sua sala suja, sua casa ocupada e sua provacidade invadida, não suportou. Foi até a cozinha, pegou uma faca que usava para cortar carne de churrasco e desferiu 3 golpes no coração do irmão. 1 para cada ano que passou na casa. Após o crime, não conseguia parar de chorar. Chorava muito. Não sabia se de arrependimento ou de alívio por ter resolvido um dos seus problemas. O seu irmão foi o ser que recebeu a raiva que o cirurgião tinha do amante da sua ex mulher, da sua ex mulher, do mediador que queria ver os seios da paciente, da paciente, do juiz.

Em cima do centro da sala, em frente ao corpo ensanguentado do irmão, estava jogdo o resultado do raio x. Era câncer no pulmão. O que havia deixado o cirurgião e o xará pasmados, era o formato do nódulo malígno: No momento em que o xará colocou o exame na tela luminosa, lá no consultório, eles puderam observar que o câncer tinha forma de um ponto de interrogação gigante. Que começava perto da bexiga e subia até os pulmões. Daí vinha a dor que o cirurgião sentia ao respirar. "Volte amanhã pra conversarmos melhor. Agora vá pra casa e descanse. "- Disse o médico-xará ao cirurgião após visualizarem o raio x.

"Vá pra casa e descanse. Vá pra casa e descanse". Repetia mentalmente o cirurgião que acabara de receber, talvez, a pior notícia da sua vida, dentro do carro, a caminho do seu lar. Ao chegar em casa para "descansar", viu o que viu. Seu irmão. Folgado. "Como ele poderia estar desse jeito quando recebi uma notícia destas?" Como o cirurgião poderia seguir a receita médica de "descansar"? Fez o que fez. Assassinato Familiar.

A dúvida que sentia do porquê aquilo acontecia em sua vida, foi refletida na doença. No câncer que tinha forma de ponto de Interrogação. Parou de chorar e como se não tivesse feito nada, subiu as escadas e foi dormir. Descansar. Desejando que as suas dúvidas e angústias fossem dissipadas junto com a sua doença.

1 comentários:

Eyka disse...

Nossa! Fenomenal. É seu este?!

Bjokas

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